GINÁSIO SANTA TERESINHA DO MENINO JESUS - 1962
Texto e acervo das imagens: Elaine De Lazzari
Sob o lindo céu azul com babados brancos, eu caminhei feliz pela região.
A Avenida 7 de Setembro, a minha avenida, o meu primeiro asfalto, a mais larga rua de mão dupla que abrigava as casas mais bonitas que eu via nos meus primeiros anos de infância . Casas de material, quase não vistas na Santa Quitéria dos anos 60. Casas com garagem, cortinas, antenas, e carros bonitos estacionados às suas portas. Iniciei meus estudos aos 5 anos de idade, e essa Avenida foi meu caminho diário por 6 anos consecutivos. Doce lembrar que aquele cenário jamais se tornou rotineiro, pois a medida em que eu crescia, ia descobrindo novas belezas nas mesmas imagens, sentindo despertar novas emoções , novos sentimentos, novas aspirações e inspirações . Tudo parecia sempre novidade. Decidida a resgatar memórias , desfilei lentamente pela Praça do Japão , tendo como guia a minha saudade. Olhei para os meus pés de sapatos 37/8 e pensei que por ali eles pisaram dentro de sapatos 33/4. Sim, aquele solo reconheceria meus pés apesar de crescidos. Ao avistar o córrego, tentei ouvir a melodia das águas que jorram daquela fonte há 58 anos, mas o som do progresso encobriu o som delicado e constante das águas . Lembrei então quando eu e minha irmã fomos autorizadas a voltar para casa de ônibus , afinal ja éramos duas "mocinhas" de 9 e 10 anos! Para pais que tiveram que começar a trabalhar em idade inferior a essas, pegar ônibus desacompanhadas de adultos era algo normal. Do portão da escola ate o ponto de ônibus , eu e minha irmã caminhávamos absortas, desatentas, sem a menor noção de perigo, e nosso único medo era escurecer antes de chegarmos em casa, pois só a noite nos parecia perigosa. O ponto de ônibus da Santa Quitéria ficava na Avenida Iguaçu , ao lado da Sociedade Beneficente da Água Verde, e em frente a uma lojinha cujo nome talvez fosse Marisol, talvez... Sei que havia sol no nome, e assim que chegávamos no ponto, a loja fechava as portas. Percorríamos o trajeto entre a escola e o ponto de ônibus olhando para dentro das casas, tentando adivinhar como eram mobiliadas, como viviam aquelas pessoas, e tal era a distração que frequentemente tropeçávamos nas calçadas irregulares, chegando em casa com mãos e joelhos esfolados, sangrando, ou galo na testa devido as cabeçadas nos postes. Após circundar a praça em singelas recordações , parei na esquina em frente a portaria do Colégio e ali fiquei contemplando a modernidade: Escola Santa Teresinha do Menino Jesus. No meu tempo chamava-se Ginásio Santa Teresinha do Menino Jesus. O prédio é quase o mesmo, mas construíram um andar a mais sobre a portaria. A fim de modernizá-lo, as grades da janela foram pintadas de azul piscina, em forte contraste com o bordô das paredes. O muro agora e transparente, parece vidro, mas deve ser acrílico e no contexto geral, me lembrou um cursinho Bardal. Nem de longe lembra o que eu gostaria de encontrar : tradição . Se bem que, consultando o google, encontrei outra versão anterior a esta, em tons mostarda, frente quadrada, e talvez ainda menos atrativa do que a atual. Confesso que resisto ao progresso, e valorizo o tradicional, o clássico , na educação e na estética. Intimamente sonhava em entrar pela portaria e rever aquela escadaria de madeira escura (seria imbuia?)e permitir que aquele frio na barriga, mistura de temor e curiosidade me invadisse novamente. Uma emoção um tanto masoquista, admito. Atravessei a rua e espiei através do muro transparente, me decepcionando ao ver tudo claro e moderno naquela entrada outrora solene, que só recebia pais e mestres, ou as alunas quando atrasadas, para que assinassem um livro e tentassem justificar o atraso, cientes de que a reprimenda era inevitável. Lembrei agora do botãozinho preto da campainha, que eu apertava torcendo para que fosse atendido por uma noviça, e jamais por uma freira.
Os pensamentos geraram emoções intensas, e me senti voltando aos anos 60, ignorando o progresso, o barulho, as cores, o movimento dos carros, os arranha-céus, e aquele ônibus vermelho interminável ! Indiferente a tudo, voltei a ver as belas casas de material que circundavam a escola, e os poucos carros de cores suaves passando pela avenida larga e extensa, sem divisões . Assim fui caminhando lenta e cuidadosamente dentro da minha saudade até o portão grande, por onde saíamos após "bater o sino", (mais tarde dizia-se dar o sinal) e foi ali, como em transe em frente ao portão lateral que eu o vi :Alto, magro, velho e de aparência bondosa(para meu conceito à época), em frente ao seu carrinho de pipocas, segurando a panela com um pano numa mão enquanto a outra girava um cabo de madeira. Ouvi os estouros de dentro da panela, e o aroma da pipoca quentinha misturava-se ao dos biscoitos Todeschini, que situava-se na redondeza. Entrei na segunda fila, a fila das meninas que não tinham dinheiro e ficavam a espera para receber uma gratuita "mãozada " de pipocas. O gentil senhor servia a todas, atendendo antes as que pagavam, para então se compadecer das suplicantes com lombrigas da segunda fila. Parada ali com a mão em conchas, eu observava as outras turmas saindo atropeladamente da porta da escola, vestidas nos seus uniformes de saia azul marinho pregueada de alças largas, camisa de fustão branca, meias 3/4 brancas e sapatos pretos "boneca". Em dias de gala os sapatos eram de verniz modelo canoa, e usávamos boinas e gravatas com as iniciais da escola. Procurei minha irmã Angela entre a turma que saia, e a esperei conseguir a sua mãozada de pipocas, aproveitando para oportunisticamente pedir uma segunda para mim, para então caminharmos pela praça do Japão até a Avenida Iguaçu . Antes de atravessarmos a rua, fazíamos uma leve genuflexão em frente a Irmã que ficava parada no portão cuidando da saída , até que todas as alunas se retirassem. Beijávamos o crucifixo que ela trazia pendurado no peito, e dizíamos : _Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo! Ao que ela respondia: _Para sempre seja louvado! Por breves segundos eu revivi tantas memórias, eu estive novamente nos anos 60 sentindo lágrimas brotarem nos meus olhos. Lágrimas de carinho, de saudades, de amor a uma infância, na ansiedade a espera da pipoca, na beleza, paz e nostalgia de um lugar encantado nas lembranças . A buzina de um carro rompeu a magia e me devolveu ao dia de hoje, desolada ao constatar que o belo passado foi enterrado pelo barulho, pelo movimento, pela pressa, pelo excesso de tudo. Perdeu-se o encanto e a magia, e por mais que eu explique, não sei se conseguirei transmitir o romantismo, a inocência e ternura de um tempo passado, que cedeu espaço a essa muvuca contagiante de pressa, progresso e evolução. Caminhei até o tubo e nem sabia me comportar dentro dele. Perguntei se idosa pagava passagem e o cobrador me informou que após os 65 são dispensados de pagamento. Pensei em esperar um ano e meio ali em frente a escola, mas talvez o pipoqueiro já não voltasse, nem o biscoito Todeschini exalasse novamente seu aroma..., O nosso pipoqueiro deve ter morrido há muito tempo, afinal eu já o achava tão velho naquele tempo! O cobrador me ajudou a identificar as moedas, e provavelmente me achou uma velha burra, pois não sabe que sou "nova" neste lugar.
Este lugar deve ter me achado uma velha careta, pois não sabe que sou "antiga" aqui, e nele vivi antes dele ter se tornado tão agressivo. Quando o ônibus se movimentou, lembrei de dar um sorriso ao cobrador em agradecimento, quando percebi que ele havia ficado la dentro do tubo, e que o ônibus enorme onde eu estava, parecia uma gaita, uma sanfona desafinada, e tinha motorista, mas não cobrador. Lembrei do meu ônibus amarelo, que parava quando eu estendia o braço , abria a porta de trás onde estava o cobrador a nossa espera, e então passávamos por baixo da roleta, ou passávamos juntas eu e minha irmã , grudadas para pagar uma só passagem. A gente só precisava prestar atenção quando se aproximava o "nosso" ponto. Era preciso puxar a campainha e o ônibus parava abrindo a porta da frente, por onde saíamos . Era tudo organizado e fácil . _ Tudo mudou para pior! Rosnei e resmunguei mentalmente ao melhor estilo dos sexagenários ranzinzas, inconformados com o progresso por preguiça de aprender. O ônibus iniciou seu percurso pela segunda pista da 7 de setembro em direção ao centro, quando eu procurei ao final do muro de acrílico, a casa linda que havia na esquina. Terá se tornado este restaurante com cor de vinho? Perguntei indignada aos meus botões. Sem resposta, vi ao longe a torre da Igreja de Santa Teresinha e me benzi lembrando que ali eu e minha irmã fizemos nossa Primeira Comunhão , oh sublime lembrança! Mas então lembrei também que foi ali que eu me casei aos 17 anos...mas isso não foi culpa da Santa!
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